A Maior Rebelião de Presos da História Mundial – Ilha Anchieta

A Maior Rebelião de Presos da História Mundial – Ilha Anchieta

A Ilha Anchieta está localizada apenas à 600 metros do continente, e é uma das principais atrações de Ubatuba, antiga Ilha dos Porcos, é conhecida pela beleza de suas praias selvagens, trilhas, locais de mergulho e também pelas ruínas de um antigo presídio estadual.

Ruínas do presídio desativado na Ilha Anchieta
Ruínas do presídio desativado na Ilha Anchieta

Um pouco da história da Ilha Anchieta, o presídio, rebelião e fatos
O primeiro “dono” desta ilha que se tem notícia, foi o cacique Cunhambebe, o mais poderoso chefe da nação Tupinambá, sendo que um dos seus prisioneiros mais famosos, foi o alemão Hans Staden, conhecido como o primeiro “turista” a visitar Ubatuba e descrever o dia a dia dos índios. Em torno deste cacique é que se articulou todo o trabalho do padre José de Anchieta a fim de conseguir a “paz” entre os portugueses e os índios do litoral chamados de Tamoios (que quer dizer “os primeiros” ou os “donos da terra”), surgindo também daí a reunião indígena “Confederação dos Tamoios”.

A ilha nessa época era conhecida como a Tapera de Cunhambebe, eles a chamavam de “Tapira”, traduzido como “lugar calmo”, e a ilha também era denominada como “Pô-Quã” (que quer dizer “pontuda”), provavelmente por se referir as duas montanhas de seus extremos: Morro do Papagaio e Morro do Farol.

Ruínas do presídio da Ilha Anchieta
Ruínas do presídio da Ilha Anchieta

Cronologia de fatos na Ilha Anchieta
Habitada por índios, dentre os quais, Cunhambebe, desde que se tem conhecimento, a ilha Anchieta recebeu os primeiros colonizadores ingleses, franceses e holandeses aproximadamente no ano de 1600. Suspeita-se que por volta de 1803 começaram as primeiras construções do que mais tarde viria a ser o presídio da então ilha dos Porcos.
– Em 1800 um destacamento do exército português, se instalou para garantir a posse da terra.
– Em 1850 a ilha abrigou uma base da marinha inglesa, instalada na Praia do Leste, para combater o tráfico de escravos (os navios negreiros).
– No início de 1870 a ilha já estava bastante povoada e tinha plantações de café, cana e até engenhos de pinga.
– Em 1885 a ilha passou a ser denominada Freguesia do Senhor Bom Jesus da Ilha dos Porcos.
– Em 1902 foram desapropriadas cerca de 412 famílias, para dar início  a construção do projeto do arquiteto Ramos de Azevedo, da Colônia Correcional, destinada a recolher os “homens bêbados e os considerados vadios”.

Ruínas do presídio - Ilha Anchieta
Ruínas do presídio – Ilha Anchieta

– Em 1908 foi inaugurada a “Colônia Correcional do Porto de Palmas”.
– Em 1914, com a difícil e dispendiosa manutenção, a Colônia foi desativada e os internos foram transferidos, para a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté e para o Instituto de Reeducação de Tremembé no Vale do Paraíba.
– Em 1926, o Governo Paulista, após expulsar os caiçaras que haviam ocupado a ilha, enviou 2.000 imigrantes colonos búlgaros, fugitivos da revolução russa, que estavam abrigados em São Paulo, para a ilha, que tentaram nela sobreviver. Porem sem saber distinguir nas plantações nativas indígenas a colheita certa, morreram mais de cem pessoas, envenenadas com mandioca brava de fazer farinha, com isso, o governo mandou-os de volta à sua pátria.
– Na década de 1930, as edificações do presídio passaram por uma reforma, com o intuito de receber presos políticos da ditadura Getúlio Vargas, tendo ocorrido uma revolta em 1933, em que cerca de cem presos depredaram as instalações e tomaram o controle da guarda. Contudo, a situação foi controlada, não havendo mortos.
– A ilha foi chamada de “Ilha dos Porcos”, que era um nome de cunho pejorativo, que durou até 19/03/1934, quando da comemoração do quarto centenário de nascimento do Padre José de Anchieta. O então presidente Getúlio Vargas, através de seu interventor Armando Sales de Oliveira, altera o nome da ilha para Anchieta, e o presídio, “Instituto Correcional da Ilha Anchieta”.
– Os prisioneiros políticos protestaram e foram transferidos para a penitenciária, enquanto os detentos comuns desta, obrigados a cederem suas vagas, foram encaminhados para a Ilha Anchieta, que passou a ter presos de alta periculosidade, menores infratores, incluindo aqueles sem nenhum processo, muito menos condenação, os considerados “vadios”.
– Em 1945, chegou à ilha outro grupo de presos políticos, chamado “Shindo Romei”, idealistas japoneses que durante a segunda grande guerra mundial, executavam seus compatriotas aqui mesmo no Brasil, por considerá-los amigos dos brasileiros e, por conseguinte, traidores do Japão. Nesta época a população carcerária da ilha chegou a 950 detentos.

Ruínas do presídio da Ilha Anchieta
Ruínas do presídio da Ilha Anchieta

– Em 1952 acontece a “Grande Fuga”. Sob a liderança de Pereira Lima, Faria Lima, Diabo Loiro e China, 107 presos fogem do presídio, abrindo caminho a balas pela praia num confronto que matou 8 soldados e 4 funcionários penitenciários. Foi a maior evasão de detentos da história carcerária mundial. Relatos de presos se entregando e, mesmo assim, sendo massacrados até a morte e de presos fiéis ao presídio lutando ao lado dos policiais são encontrados até hoje em obras que tratam do assunto.
– Em 1955 o presídio é desativado definitivamente e apenas em 1969, por um projeto chamado FUMEST, suas ruínas são transformadas em atração turística pelo governador Abreu Sodré. Em 1984 o governador Franco Montoro decreta o local Parque Estadual da Ilha Anchieta. Até hoje, a ilha é o maior polo turístico de Ubatuba. Em 1999, passou por uma reforma que recuperou instalações de infraestrutura turística.

A maior rebelião da história mundial
Basicamente a estrutura da ilha era dividida entre Presídio, Vila de moradores e Vila do quartel. As celas do presídio foram construídas de modo a formar um pátio retangular, e era nesse pátio que os presos se reuniam, a maioria de alta periculosidade. No início da década de 1950, estavam confinados na ilha, cerca de 453 presos, e havia bastante animosidade entre grupos rivais, que se enfrentavam no pátio, e os cerca de 50 policiais tinham grande trabalho para conter estes conflitos, sendo o principal líder dos presos, o perigoso João Pereira Lima, o “Pernambuco”.

A rotina do presídio mudou quando chegou para cumprir pena, Álvaro da Conceição Carvalho Farto, o famoso “Portuga”, um criminoso com conhecimentos de engenharia e muito inteligente. Aos poucos Portuga passou a influenciar os outros presos, dando funções específicas a cada um, organizando a vida interna, o que diminuiu os conflitos. Alguns presos pescavam, outros cuidavam da lavoura e outros do corte de árvores. Mas as intenções do Portuga não eram bem essas.

A rebelião foi notícia no mundo todo
A rebelião foi notícia no mundo todo

Tendo criado uma organização entre os presos, passou a arquitetar um plano para uma rebelião, que incluía a tomada do presídio e das armas que ficavam no quartel do Morro do Papagaio. Sob a influência do Portuga, os detentos passaram a ser mais cordiais e gentis, se aproximaram bastante dos policiais e até da população da ilha, num clima de confiança e paz que na verdade era o preparatório para o golpe.

Para arquitetar melhor o plano de fuga, Portuga pediu aos agentes penitenciários que o isolasse em uma cela, pois disse estar sofrendo ameaças de outros presos. E de lá aos poucos iam criando as estratégias que contava com a ajuda de outros líderes, tais como o “Pernambuco”, o “China Show”, o “Faria Lima”, o “Diabo Loiro” e do “Mão Francesa”, um detento que trabalhava na barbearia.

20 de Junho de 1952
O dia escolhido para a ação foi 20 de junho de 1952, pela manhã, quando 110 presos foram buscar a lenha que já havia sido cortada por outro grupo de 12 presos. Estes 110, foram acompanhados de apenas dois soldados e dois guardas civis do presídio. Naquele dia, por volta das 12 horas, chegaria a embarcação, chamada “Ubatubinha”, trazendo mantimentos, como sempre acontecia uma vez por mês. Os presos planejavam tomá-la de assalto para fugir da ilha. Um dos soldados que acompanhava os presos foi morto, outro dominado e amarrado em uma árvore, assim como os dois guardas civis.

Chegada a Ilha Anchieta e vista do prédio da administração do presídio
Chegada a Ilha Anchieta e vista do prédio da administração do presídio

João Pereira Lima, assumiu o comando da rebelião, e os detentos retornaram ao presídio, e no início do ataque ao quartel, com um tiro de fuzil, matou o “armeiro” (soldado Otávio dos Santos), e depois iniciou-se um confronto com os demais soldados. Os detentos invadiram a reserva de armas e se apoderaram de fuzis, mosquetões, metralhadoras, revólveres e farta munição.

Invadiram todas as dependências do presídio, arrombando as portas dos pavilhões e das celas, libertando todos os detentos e atacaram as residências do diretor e do tenente da Guarda Militar. A vitória dos presos foi completa, estouraram o cofre forte do presídio, executaram alguns soldados e agentes penitenciários e em liberdade passaram a dar as ordens na ilha. Em meio a toda esta desordem, uma voz se fez ouvir; “Se eu souber que alguma mulher ou criança foi maltratada, o autor terá morte pelas minhas mãos…..nosso fim é a fuga”. Frase proferida por João Pereira Lima, o líder da rebelião.

O plano era fugir na grande barcaça que chegaria pouco depois, mas a ação não aconteceu como o planejado, pois os criminosos, embriagados, circulavam armados pela ilha e a tripulação da “Ubatubinha” percebeu que havia algo errado, decidindo não atracar na ilha. Os rebelados tentaram então fugir em barcos menores, o maior deles era uma lancha chamada “Carneiro da Fonte”, com capacidade para cinquenta pessoas, que foi lançada ao mar levando mais de noventa detentos, e com sério risco de afundar pelo excesso de peso.

A lancha seguiu no sentido da Praia do Ubatumirim, com destino final Paraty, dizem que para aliviar a carga, alguns foragidos mais pesados foram jogados ao mar, e devido a imperícia do “piloto” a lancha chegou em alta velocidade a praia, encalhando e causando a morte de alguns. Simultaneamente, vários fugitivos conseguiram chegar ao continente nadando e se embrenharam na mata. O presídio foi incendiado pelos detentos, e muitos também embarcaram em canoas menores. Os que ficaram na ilha, renderam-se e a situação foi controlada pelos policiais.

Um forte aparato foi preparado para recapturar os fugitivos, envolvendo a Marinha, Exército e Aeronáutica, além das forças policiais de São Paulo e Rio de Janeiro, em uma ação que durou vários dias. A maioria dos fugitivos foi recapturada na Serra do Mar, nas regiões de Caraguatatuba, Ubatuba e Paraty. De um total de 129 fugitivos, 15 foram mortos nas ações de recaptura na Serra do mar,  porém seis nunca foram recapturados. A rebelião deixou ao todo 28 mortos, sendo 18 presos, 8 policiais e 2 funcionários civis. E o grande líder, Portuga, que tinha problemas cardíacos, foi encontrado morto na ilha.

De 1952 a 1955, a ilha sediou um fórum, com juiz, promotor e 20 advogados, com a finalidade de julgar os presos capturados. Em 1955, o presídio da Ilha Anchieta foi desativado e os presos transferidos para a Casa de Custódia de Taubaté, um presídio de segurança máxima. Esta foi uma rebelião histórica, notícia em todo mundo e quem visita o presídio tem acesso as informações sobre a construção do prédio, os presos que lá estiveram, o plano de fuga e a rebelião.

Em 29 de de março de 1977, a ilha passou a ser área de proteção ambiental, com a criação do Parque Estadual da Ilha Anchieta.

Projeto “Filhos da Ilha Anchieta”
“Filhos da Ilha” é como são chamados as cerca de 250 pessoas que nasceram, moraram e/ou trabalharam na Ilha Anchieta na época da rebelião. Este evento de resgate da história da rebelião do presídio da Ilha Anchieta, denominado “Filhos da Ilha”, foi organizado pelo Tenente Samuel, oficial da Polícia Militar já reformado.

Filhos da Ilha Anchieta

Trata-se de um encontro dos remanescentes da rebelião do presídio da Ilha Anchieta, que acontece anualmente, para relembrar o trágico acontecimento de 1952. O que antes era motivo de tristeza, hoje é um evento marcado pela solidariedade, paz e emoção. Familiares de pessoas que viveram, trabalharam ou estiveram presas na época, se reúnem para não deixar que a história se perca.

O evento, teve início num encontro em Taubaté com 63 pessoas, e atualmente conta com algumas centenas de pessoas, que lotam as escunas em busca de um resgate social e histórico, além da confraternização e um belo passeio marítimo. Também é celebrada uma missa na Capela da Ilha por intenção daqueles que perderam a vida no levante de 1952, na Ilha Anchieta, e também por todos os “Filhos da Ilha”, tanto os que moraram no local como de seus descendentes.

O Tenente Samuel escreveu quatro livros sobre o palpitante tema:
–  “Ilha Anchieta – Rebelião e Fatos”.
–  “Casa de Custódia de Taubaté” – em parceira com o Coronel Lamarque Monteiro.
–  “Ilha Anchieta – O Prisioneiro do Pavilhão 6”.
– “Rebelião da Ilha Anchieta – Relatos de um Sobrevivente”.

Fontes:
Livro Ilha Anchieta Rebelião, Fatos e lendas – Tenente Samuel Messias de Oliveira

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rebeli%C3%A3o_da_Ilha_Anchieta