A Praia do Camburi é a última praia da região norte de Ubatuba, na divisa com Trindade (Paraty), e encontra-se integralmente dentro dos limites do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), e parcialmente nos limites do Parque Nacional da Serra da Bocaina.
A região é um paraíso selvagem em meio à reserva florestal e também é chamada de Camburi das Pedras, sendo esta a última praia de Ubatuba na divisa com Paraty-RJ.
Seu acesso é por uma estrada secundária, a partir do km 1 da rodovia Rio-Santos (em frente a belíssima Cachoeira da Escada). O caminho é uma grande descida com curvas fechadas e apertadas, que passa por uma antiga fazenda de café. Sendo parte do percurso asfaltado e bem conversado, não exigindo do visitante o uso de veículo com tração 4×4, e em cerca de 3 Km chegamos à praia.
Camburi é nome originário do tupi guarani e significa “peixes robalos”, e a praia marca sua presença pelo seu marco na história, pois Camburi traz em sua memória a vivência quilombola, e o reconhecimento da Comunidade Quilombo Cambury, que ocorreu em 2005, com o assentamento de 39 famílias em uma área de 972 hectares, assistida pelo ITESP (Instituto de Terras do Estado de São Paulo).
A praia é de mar aberto, em formato de ferradura, com areias claras, água verde e seus pontos de arrebentação, apresentam declives acentuados, sendo própria para pesca, snorkeling e surfing. Há bares, quiosques, alguns restaurantes simples que vendem saborosas porções e comida caseira, um pequeno povoado caiçara, vários campings e comércio de peixes.
A região tem uma sequência de cachoeiras, que se formam descendo a Serra. Sendo a mais visitada a Cachoeira dos 3 Poços, e a trilha que leva até ela se inicia no canto esquerdo da Praia do Camburi. Dois rios deságuam nas extremidades da praia, e outras trilhas são exploráveis sendo uma que sai do canto direito da praia em direção a Praia Brava de Camburi. Outra trilha de acesso muito difícil, se inicia no canto esquerdo da praia e liga Camburi até Trindade, em Paraty, passando pelo marco da divisa entre SP-RJ. Nas duas encostas da praia há muitas rochas, e suas águas abrigam diversas espécies de peixes, sendo comum a visualização de tartarugas marinhas.
É um lugar para quem busca paz, pois é longe da cidade e muito calmo, Para o turista hospedado em camping por exemplo, se quiser um pouco de agitação poderá surfar de dia na Praia Brava do Camburi e à noite, ir à Paraty (que fica muito mais perto que o centro de Ubatuba), e aproveitar os bares e restaurantes.
História
A região teve presença de forma exploratória dos ingleses, que próximo a Praia do Camburi, construíram uma serraria com o objetivo de trabalhar as madeiras de lei extraídas da Serra do Mar e embarcá-las para a Europa. Ainda hoje estão presentes as “ruínas desta serraria”, onde os antigos diziam ser um inferno de máquinas construída por ingleses, que tiravam a preciosa madeira de nossa mata e exportavam.
Para viabilizar o embarque, construíram no canto da praia um cais de madeira, que várias vezes foi destruído pela maré. O mar, que muitas vezes se rebelava da invasão dos ingleses, dificultava a saída das embarcações, logo obrigando-os a abrir falência e procurar outras terras.
Camburi tem seu próprio cemitério, localizado ao lado de um camping e conta com uma das igrejas mais antigas de Ubatuba, a Capela do Camburi que tem como padroeira “Nossa Senhora Aparecida”, que foi construída no início da segunda guerra mundial, em 1939 pelos caiçaras locais com influência do padre João, que mensalmente visitava o bairro, vindo de Ubatuba no barco “Minas Gerais”.
Camburi refugiou os primeiros quilombolas vindos de Paraty, e é conhecida a história de Dona Josefa, a primeira negra, que morou em toca, horas acima da cachoeira da divisa junto com outros negros, e era ela quem descia até a praia para buscar alimento. A família mais famosa da época é a do Mestre Basílio, negro que deu origem ao povoado de Camburi.
Um pouco da história da formação da Comunidade Quilombola do Camburi:
O bairro do Camburi, devido particularmente a sua localização geográfica, apresenta nas raízes de sua formação étnica evidências de que, em determinado contexto histórico, constituiu-se como um quilombo tradicional no sentido clássico do termo, ou seja, como um local de refúgio de escravizados. Segundo a historiadora Maria Luiza Marcílio, o fato do bairro se localizar numa zona de fronteira entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, indicaria uma importante pista para a compreensão do início de sua ocupação.
Na época da vigência da escravidão, era comum a fuga de escravizados “paulistas” para o Rio de Janeiro, fugindo das expedições de “caça ao escravizado fugido”, patrocinadas pelas autoridades locais de Ubatuba. A recíproca, segundo a historiadora, é logicamente verdadeira: escravizados “cariocas”, particularmente das fazendas de Paraty, também fugiam para o território paulista. Cerqueira, uma outra pesquisadora sobre a escravidão em Ubatuba, confirma esse argumento ao afirmar que escravizados de Ubatuba, eram encontrados no Rio de janeiro, assim como em 1842, foram encontrados, em Ubatuba, dois escravizados fugidos da fábrica de São João, de Ipanema. De modo geral, a história oral dos atuais moradores do Camburi, reforça os argumentos para essa forma de ocupação territorial.
Foram colhidos depoimentos de vários moradores do Camburi que, de modo consensual, assinalaram que um grupo de escravizados liderado por uma certa escravizada Josefa, teria fugido de fazendas localizadas no litoral do município de Paraty no Rio de Janeiro, e ocupado parte da região do atual bairro do Camburi, por volta do final do século XIX.
Existia uma senhora que caçava bicho do mato. Isso muito antes deu nascer, meus avós já contavam pros meus pais e eles contaram pra mim. Essa mulher vinha de Trindade (RJ) aqui caçar, vinha caçar. Quando ela e seu grupo vinha caçar em Camburi ficava numa toca com seu bando. Aqui para baixo tem a Toca do Tio Paulo que era um senhor antigo aqui do lugar. Ele contava as histórias do tempo da escravidão. Aqui tem uma toca que trata de Toca da Josefa, é aqui mesmo em cima do morro. Ainda tem carvão lá do tempo da escravidão. A Josefa foi uma escravizada saída da tribo de Paraty, que saiu fugida junto com seu bando. Eles vinham pescar aqui na praia, tirar marisco das pedra. Foi na época da escravidão.” (Depoimento de Fernando Soares, morador local, in: Mansano,1999:50).
Alguns dos moradores atuais identificam a escravizada Josefa como “tia”, confirmando que ela é uma “parenta” distante. Não foi possível identificar na árvore genealógica o laço de descendência entre ela e os grupos familiares atuais do bairro. Independentemente desta identificação, a história da escravizada Josefa se confunde nas narrativas nativas com a fundação do bairro do Camburi.
A memória da chegada ao território do Camburi de um núcleo familiar de escravizados, os Conceição, por volta de 1870 ao que tudo indica, de fazendas da região de Paraty se funde no tempo, com a menção à ocupação do mesmo território por um outro núcleo familiar de escravizados identificado como os Basílio. Este núcleo seria liderado por um escravizado (ou ex-escravizado) apelidado de “Velho Basílio”. Basílio Ignácio dos Santos, o “Velho Basílio”, teria sido casado com duas mulheres, união da qual se origina um dos troncos familiares de maior prestígio interno entre os atuais descendentes.
Uma outra personagem teria dado origem a um outro tronco familiar do Camburi: a “escravizada Cristina”. Personagem quase tão mítica quanto a escravizada Josefa entre os Camburienses, que muito dos interlocutores atuais mais velhos chegaram a conhecer quando crianças. Dizem estes interlocutores que a “Velha Cristina” morreu com cerca de 115 anos, por volta de 1950.
Apesar dos moradores atuais do Camburi não se lembrarem, um outro interlocutor, que não se encontra mais morando no bairro, nos informou dos vínculos de parentesco existentes entre os Basílio e a escrava Cristina: “A mãe dele (apontando para um dos moradores do Camburi bisneto do velho Basílio) é da minha idade, tá com oitenta e poucos anos, ela é minha parente por parte da Cristina. O pai dela era sobrinho da minha vó, da Cristina.” (depoimento de M.I., neto de Cristina).
O interesse aqui em demonstrar os laços de parentesco existentes entre os Basílio e a escravizada Cristina tem uma explicação: as famílias de Cristina e dos Basílio são as referências mais antigas do bairro e na genealogia recolhida por Mansano (1999), base da nossa pesquisa, não aparecem os laços que os unem. Cristina, ao se casar com um homem de fora, “branco”, fundaria uma nova descendência no Camburi, conhecida como os Rosário. Na formação do primeiro núcleo familiar no Camburi encontramos ainda, como demonstra a genealogia anexa, a aliança via casamento entre duas famílias de escravizados, os Basílio e os Conceição, sendo que os Rosário seriam, na verdade, uma dissidência desse núcleo familiar maior.
Duas outras famílias de escravizados (ou descendentes) chegariam ainda ao Camburi por volta de 1900. A primeira, originária também da região de Paraty, é identificada como os Bento: Em seguida, chegou a família de Manuel Bento, casal e cinco filhos. Tal como os Basílio, José Bento também foi um escravizado, fugido de uma fazenda nas proximidades de Paraty, segundo relato de seu neto, hoje com 63 anos (Antônio Conceição, o inglês).
O pai do interlocutor, também José Bento, nasceu em liberdade. Já morando no Camburi, o pai do interlocutor foi trabalhar uns tempos em um engenho próximo a Ubatuba, onde conheceu Maria Conceição Abreu, filha do dono do engenho. De acordo com o relato, seu pai era negro, mas sua mãe era clara e dos olhos azuis, fato que explica sua pele e olhos e o cabelo “caracolado”. (Mansano, 1999:55). Sobre a segunda família que teria chegado por volta da mesma época ao Camburi, os Zacarias, não há uma referência clara de onde teriam vindo. É certo que eram descendentes de escravizados, conforme relata uma descendente direta do casal Zacarias, C., ainda viva. Os pais e os irmãos de C. saíram do Camburi na década de 1960, após venderem, assim como os Rosário, a maior parte de suas glebas para “gente de fora”, e passaram a ocupar uma outra área próxima ao Camburi.
Como foi dito no início desta seção, esta versão, assentada nos relatos orais colhidos em campo dos descendentes dos primeiros moradores do bairro, indica que por volta das últimas décadas do século XIX, o Camburi foi um local de refúgio para escravizados fugidos de fazendas de Paraty, caracterizando-o assim como um quilombo no sentido tradicional do termo. Um outro argumento que viria a reforçar esta versão é o de que os atuais moradores do bairro, ouvidos por Mansano (1999), não fazem referência em nenhum momento de suas pesquisas, à existência em seu território tradicional de uma fazenda denominada Cambory.
Mas a documentação levantada sobre o bairro junto ao Arquivo Histórico de São Paulo indica que a Fazenda Cambory realmente existiu pelo menos por quase 70 anos (1798-1855) na região norte de Ubatuba. Essa existência foi-nos confirmada também por um ex-morador local.
Fonte das Informações: https://www.itesp.sp.gov.br/br/info/acoes/rtc/RTC_Cambury.pdf
Relatório Técnico-Científico sobre os Remanescentes da Comunidade de Quilombo de Camburi Ubatuba – SP por Luís Roberto de Paula- Antropólogo (de Abril-2002).