A História da Ferrovia Taubaté-Ubatuba

A História da Ferrovia Taubaté-Ubatuba

O momento histórico que Ubatuba viveu no final do século XIX, parecia definir o verdadeiro restabelecimento e firmamento da economia local, revolucionando o fluxo de transporte de toda a produção da região. Estava prevista a construção da ferrovia que ligaria Taubaté a Ubatuba, abandonando assim o antigo percurso utilizado como via de transporte, a estrada imperial. Saindo do sul de Minas Gerais, a ferrovia passaria pela Serra do Mar até alcançar o porto de Ubatuba. Desta forma Ubatuba estaria apta ao comércio de exportação e importação competindo com o porto de Santos.

Ferrovia Ubatuba

O ano era o de 1889 e alguns homens chamados concessionários, como João Alfredo Corrêa de Oliveira, um ministro do império, Francisco Ribeiro de M. Escobar, Victorino E. Marcondes Varella, e outros, organizaram uma companhia. O capital do investimento foi milionário, fundando o Banco de Taubaté. Firmas inglesas forneceram o material necessário como os trilhos importados da Inglaterra, iniciando em seguida os trabalhos para traçar a linha ferroviária. Um grupo de trabalhadores vinha do planalto de Taubaté, enquanto um outro trilhava o caminho pela Serra do Mar, chegou-se a perfurar a serra para os túneis.

O traçado a partir de Ubatuba iniciaria no cais do Porto da Ponta Grossa, na Baía de Ubatuba, ao sul da cidade, seguiria 4 Km em trecho urbano e plano até a estrada do Monte Valério (região da Praia Dura), rota que seguiria a partir daí alinhada até o alto da Serra do Mar (Sertão da Santa até norte da Vila de Santo Antonio), chamado de Mococa, localizado a 854 metros de altitude. A transposição da serra seguiria em uma inclinação máxima de 3%.

No dia 28 de setembro de 1890, aconteceu a festividade de inauguração. A imprensa, dias depois “alardeou” em jornais importantes da época, o tamanho da festividade e das personalidades presentes. Com o lançamento da pedra fundamental da futura estação ferroviária, além das festividades e solenidades, realizou-se ainda um espetáculo no antigo teatro da cidade, encerrando tal comemoração. Um espetáculo com um final apoteótico, representando um recomeço para Ubatuba, com a linha ferroviária trazendo o tão esperado progresso. Da estação em Ubatuba, pouco se sabe, resta uma pedra fundamental colocada no cruzamento das ruas Cunhambebe e Liberdade.

História da Estrada de Ferro Taubaté-Ubatuba
Nas décadas finais do século XIX, Ubatuba era frequentada por navios de longo curso. Em seu ancoradouro, uma floresta de mastros: bergantins, fragatas e brigues. Eles traziam mercadorias do velho mundo e levavam o café e o açúcar. O transporte até o planalto se fazia por estradas revestidas de lajes (pavimentação feita por índios e escravos).

Ferrovia Taubaté - Ubatuba

A época do término da ligação ferroviária entre São Paulo e Rio de Janeiro, o Brasil possuía apenas dois portos aparelhados para a exportação de seus produtos e ao Porto de Santos convergia quase toda produção do Vale do Paraíba, ligado na época pela nova ferrovia “São Paulo Railway”. Esvaziou-se, assim a função do porto de Ubatuba. Há de se imaginar que tão rica e próspera, a região do Vale do Paraíba, ansiava por ter sua própria ligação ferroviária com o litoral, encurtando distâncias, diminuindo preços e fretes, facilitando toda a intrincada rede de distribuição da produção agrícola. Foram três tentativas realizadas para a construção desta ferrovia.

A Primeira Tentativa
Em 1874, surgia a primeira tentativa de construção de uma linha férrea que ligaria Guaratinguetá ao litoral. A concessão foi dada a Charles Bernard e Sebastião Gomes da Silva Belfort, pelo governo da província. Não tendo sido dadas as garantias de juros pelo governo da província para o capital que se empregaria na obra, a companhia não conseguiu se organizar e a construção não foi iniciada. Alegava o governo a intransponibilidade da Serra do Mar.

Após isto, Cox, engenheiro inglês, realizou estudos de campo na Serra do Mar, provando que era possível, no ponto chamado Taquarussu, transpor a barreira natural. Por esta época, o Encilhamento (*) estava prestes a atingir o seu auge. Havia uma verdadeira febre de incorporações de companhias, dada a entrada de dinheiro estrangeiro, quando o capital das sociedades anônimas passa de 800 mil contos de réis para 3 milhões. Em seguida uma intensa crise financeira se manifesta a este período fazendo com que Cox e companheiros, por prudência, vendessem os estudos realizados, desistindo da construção. Este fato deu início à formação da Companhia de Estradas de Ferro Norte de São Paulo.

(*) O Encilhamento ocorreu durante o governo provisório de Deodoro da Fonseca (1889-1891). O Ministro da Fazenda Rui Barbosa, na tentativa de estimular a industrialização do Brasil, adotou uma política emissionista baseada em créditos livres aos investimentos industriais garantidos pelas emissões monetárias.

A Segunda Tentativa
Com os estudos de Cox agora em mãos de Francisco Moura Escobar e Vitoriano Eugenio Marcondes Varella, ambos de Taubaté, o Governo concede a garantia de juros pela lei n° 3.397 de 24 de novembro de 1888 a diversas estradas de ferro, entre elas a de Taubaté-Ubatuba, sendo de 30 anos o prazo máximo de concessão. Estávamos ainda no Império.

A ferrovia era uma iniciativa totalmente privada. Para essa obra foi constituído o Banco Popular de Taubaté, com dinheiro dos fazendeiros e comerciantes da região e empréstimos conseguidos em bancos americanos e alemães. O projeto era ambicioso. A ferrovia teria 152 km, passando por Natividade da Serra e descendo a Serra do Mar pela pedra do Corcovado. Seriam construídos 48 túneis (sendo 43 sob rocha e 5 sob terra) e diversos viadutos, uma verdadeira obra de arte. Em Ubatuba haveria uma alfandega. Tanto o banco como o porto pertenciam à ferrovia. A festa de fixação da primeira estaca foi realizada em 1890, em Ubatuba. O ritmo da construção era intenso.

Em 5 de janeiro de 1889, pelo Decreto no 332, de 12 de abril de 1890, agora já no Governo Provisório da República com Deodoro, os estudos definitivos são aprovados e se prorroga até 31 de dezembro de 1891 os prazos para construção. Em 28 de setembro de 1890 são iniciados em Ubatuba os trabalhos de construção. A Estrada de Ferro Taubaté-Ubatuba parecia se tornar uma indiscutível realidade. O apogeu da projetada estrada ocorre em 1892. No projeto incluía-se um ramal para Natividade da Serra e São Luiz do Paraitinga e possível prolongamento para Minas Gerais. O prazo para a conclusão das obras terminaria em 31 de dezembro de 1893, mas, através do Decreto no 1.510, de 10 de agosto do mesmo ano, prorroga-se este prazo até 31 de dezembro de 1895.

Corria o ano de 1893 e a Companhia enfrentava sérias dificuldades econômicas. Por falta de pagamento, em junho e julho de 1893, dissolveu-se o pessoal técnico da empreiteira responsável pelas obras. Até o final do ano de 1893, ainda continuavam trabalhando alguns subempreiteiros, quando recebem ordens para suspender os trabalhos. A partir daquela data, nunca mais as obras teriam prosseguimento.

Quando, porém, segundo uma carta de seus proprietários, “tudo ia bem” e a situação das obras era de “absoluta regularidade” e já haviam sidos gastos 5 mil contos de réis, o governo, pelo Decreto 1.721, de 8 de junho de 1894, determinou a suspensão das obras. O trauma causado pela cassação da concessão foi grande. Desespero dos fazendeiros da região, centenas de operários desempregados e a declaração de falência do Banco Popular de Taubaté.

O motivo que levou o governo a determinar o fim das obras nunca foi bem esclarecido. Os moradores, segundo jornais da época, falavam em pressão dos proprietários da São Paulo Railway, que temiam que a reativação do porto de Ubatuba prejudicasse seus negócios. Na época em que a obra foi paralisada, 84 km já estavam quase prontos, inclusive as pontes. Um trem que levava material para os operários já chegava às estações de Boracéia, Registro e Fortaleza, todas no município de Taubaté. O engenheiro chefe das obras era o inglês Horace Boardman Cox.

A situação política da época
O Governo Provisório de Marechal Deodoro enfrentava diversas dificuldades. Primeiro, as que são consequentes da transformação do Congresso Constituinte em Nacional, dividido em Senado e Câmara dos Deputados. Cresce a oposição ao governo. Irritado, Deodoro dissolve o Congresso. Contra isso, irrompe no Rio, em novembro de 1891, a Revolta da Esquadra. Deodoro renuncia e seu vice, Floriano Peixoto, assume, declarando sem efeito a dissolução do Congresso. Substitui, de forma ilegal, os governos estaduais que haviam apoiado a dissolução. Ocorrem vários distúrbios nas unidades federativas, formando-se forte oposição ao novo governo. Como consequência, inicia-se um longo período de intranquilidade.

Sublevam-se as Fortalezas de Santa Cruz e Lajes à entrada da barra do Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, em consequência da instabilidade política no estado, em fevereiro de 1893, rompe a Revolução Federalista. Uma nova revolta da armada tem início em setembro de 1893, na tentativa de restaurar o “império” da Constituição. O Rio sofre tentativas de bombardeio. Há resistência por parte do governo, impedindo o desembarque de marinheiros e combatendo os navios revoltosos.

Com a adesão a esquadra de revoltosos, do Rio Grande do Sul, estes invadem Santa Catarina instalando aí um governo revolucionário. Saldanha da Gama, então diretor da Escola Naval, adere a movimento. Em janeiro de 1894, o Paraná é invadido pelos federalistas, vindo de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em Curitiba organiza-se outro governo revolucionário visando a invasão de São Paulo. Durante a Revolta da Armada, o Porto de Santos foi bombardeado por navios insurretos.

A Sentença de Morte da Taubaté-Ubatuba
O momento histórico da Nação inspirava cuidados. Havia, por parte do governo, preocupações sérias para se resolver e uma nova ferrovia ligando mais um porto marítimo às rotas ferroviárias de então, poderia se constituir em fator de utilização, por parte dos revoltosos, para transporte de material bélico e tropas para uma revolução monarquista, segundo se suspeitava na época. O próprio Banco Popular de Taubaté constituído para a construção, com capital totalmente nacional e que financiava o empreendimento, tornou-se em breve suspeito ao governo de Floriano. Apontaram-no como ninho de conspiradores.

Assim, em 2 de junho de 1894 é dada a sentença de morte da Companhia Estrada de Ferro Norte de São Paulo, declarando caducos o privilégio, a garantia de juros e mais favores concedidos para a construção, uso e gozo da estrada de ferro Taubaté-Ubatuba. Ao final de 1893, estavam terminados 84 km do traçado, prontos para receber a via permanente. Também havia sido construído a casa de máquinas em Taubaté. Das dez estações que integravam o projeto, duas estavam já construídas e uma terceira em construção (Boracéia, Registro e Fortaleza).

Nem os insistentes pedidos dos proprietários da ferrovia, oferecendo outras garantias financeiras, levaram o governo da época a voltar atrás. Somente em 1917, o presidente Venceslau Bras assinou outro decreto reconhecendo a importância da obra e concedendo o “privilégio para construção, uso e gozo” da ferrovia. Mas o quadro econômico da região havia mudado. O café estava quase extinto e muitos dos municípios produtores haviam se transformado em “cidades mortas”. Em 1931 outro decreto federal considerava a concessão sem efeito.

A Terceira Tentativa
Em seu “Memorial” de 1913/1914, Francisco de Moura Escobar, cessionário de todo o patrimônio da extinta Companhia Estrada de Ferro São Paulo e Minas, que se tornou proprietário da concessão da via férrea Taubaté-Ubatuba, pede ao Poder Público que revalide o contrato firmado em 24 de novembro de 1888 e que havia sido aprovado por decreto, em 1889. Em novo decreto, agora em janeiro de 1917, é concedido o privilégio. Aos 15 de dezembro de 1922, pelo Decreto nº 15.879, é declarada a caducidade do contrato, visto que a Companhia não apresentou os estudos e não deu início aos trabalhos de construção, nem contribuiu para despesas de fiscalização. Assim, declara-se definitivamente encerrada a questão da construção da via férrea que ligaria Taubaté ao litoral norte.

Este foi o final de um grande projeto que custou rios de dinheiro e de suor, nos tempos da pá e da picareta e ficou infelizmente largado nas matas da Serra do Mar (jornalista Barros Ferreira).

Vestígios dessa ferrovia
Da velha ferrovia restam poucos sinais. Os trilhos foram arrancados e das estações só restam ruínas, como a do bairro do Registro. Em Natividade da Serra, aos arredores do Bairro Alto ficaram algumas cabeças de pontes e sulcos cravados nos morros ainda bem visíveis para quem percorre aquela região. Os materiais usados nas obras, ficaram longos anos abandonados, todos esquecidos na Serra do Mar. Muitos trilhos foram aproveitados pela Prefeitura para construções de pontes, alguns utilizados em posteamento no primeiro serviço de iluminação elétrica da cidade. Alguns vagões de trens também foram abandonados na Serra do Mar e viraram atração turísticas para os aventureiros e trilheiros.

Fonte de informações:
Ubatubense blogspot
– Livro: “UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA”
– Jornal “Nos” de 15/05/1971; Judas Tadeu de Campos.
– Vale Paraibano de 08/09/1979; Carlos Borges Schimidt, A Projetada Ferrovia entre o Vale do Paraiba e o Mar.
– Pesquisas realizadas com a colaboração da Biblioteca do Museu “Paulo Camilher Florençano”, por Reinel Bento Munhoz Albano.
– Jornal Maranduba News